domingo, 8 de março de 2015

Palestra com Prof. Santana Castilho: factos, argumentos, conclusões


Aqui fica uma tentativa, esperemos que minimamente conseguida, de resumo das principais ideias veiculadas pelos vários intervenientes. Qualquer reclamação, disponham.






 Palestra/Debate com Prof. Santana Castilho
4 de Março de 2015
   Auditório da Biblioteca Municipal de Rio Maior


1- Breve descrição

Principais momentos da palestra/debate:
- breve caracterização do Ensino Vocacional pelo moderador do debate, Prof. João Correia, tendo em conta a legislação, a história recente e um relatório relativo à experiência- piloto decorrida no ano letivo 2012/13;
 - intervenção do Prof. Santana Castilho, versando os contextos políticos que determinam a actual configuração do sistema educativo português e, por consequência, também a dos cursos vocacionais;
- intervenção do presidente do SPGL, Prof. António Avelãs, focando as condições de trabalho dos docentes que leccionam o ensino vocacional e o stress docente inerente;
- debate.

2- Assuntos analisados

No que toca ao conteúdo, distinguimos seguidamente dois níveis de análise:
- factos e argumentos relativos ao Ensino Vocacional;
- contextos políticos que determinam, de forma mais ou menos directa, o actual estado do sistema educativo.

2.1- Factos e argumentos relativos ao Ensino Vocacional

Do relatório realizado em 2013 relativo à implementação do modelo do ensino vocacional em 13 escolas básicas do país no ano 2012/13, envolvendo 285 alunos, que inquiriu 106 professores e 209 estudantes, destacou-se:
- mais de metade dos professores auscultados consideram o modelo do ensino vocacional "pouco" ou "pouquíssimo" adequado aos alunos a que se destina; os investigadores concluíram que "os aspectos mais criticamente referidos não têm a ver com a natureza da formação". Estão relacionados, referem, "com a preparação anterior dos alunos, os seus níveis de empenhamento" e a indisciplina nas aulas;
- os docentes consideram que o currículo do curso é pouco adequado (51,9%) ou medianamente adequado (31,7%) aos interesses dos alunos e apontam a dificuldade de planificar e condensar três anos de escolaridade em apenas um ou dois;
- os relatores concluem em sentido positivo  que "é uma alternativa académica sem a qual o abandono precoce da escola poderia ser inevitável" Sublinham que "79,9% dos alunos dizem não pretender regressar ao ensino geral do ensino básico ou aos cursos científico-humanísticos do ensino secundário". Salientam também as vantagens, reconhecidas pelos professores, da dimensão prática dos cursos para a preparação para o mundo do trabalho;
- é nesse contexto que os relatores aconselham que seja garantida a progressão e continuidade da oferta do vocacional no secundário;
-  o MEC  frisou que, no final do ano lectivo de 2012/13 as taxas de conclusão superaram as "dos restantes alunos do ensino básico e, em especial, os que têm as mesmas idades". Isso comprova, na perspectiva do MEC, "a adequação desta oferta às necessidades dos alunos";
– a OCDE elogiou recentemente a estratégia do governo de utilizar as vias profissionalizantes no combate ao insucesso escolar. David Justino, presidente do Conselho Nacional de Educação, realçou recentemente a necessidade de acabar com a retenção dos alunos, no mesmo sentido;
- ano letivo 2013/14 foi alargado para 9000 estudantes de mais de 500 estabelecimentos de ensino. Este alargamente foi considerado pelo ministério como a continuação da experiência piloto, para haver outra base de análise para futuros melhoramentos;
- Este ano lectivo 2014/2015, segundo dados do Ministério da Educação e Ciência (MEC),  foram aprovadas no básico 1075 turmas frequentadas por 22.660 alunos e no secundário 96 com 1910 alunos. No conjunto estão envolvidos  cerca de 25 mil alunos e perto de cinco mil empresas;

Outros factos, argumentos e conclusões sobre o Ensino Vocacional elencados durante o debate/palestra:

- a dimensão das turmas (até 26 alunos) é completamente incomportável, face aos problemas de indisciplina e de aprendizagem evidenciados por grupos compostos de alunos provindos do 6º, 7º ou 8º ano, que acumulam os mais diversos tipos de problemas de ordem sócio-económica, familiar e cognitivos, incluindo muitos alunos com necessidades educativas especiais;
- os professores que leccionam esta modalidade de ensino encontram-se submetidos a níveis de stress muito elevados, com consequências para a sua saúde;
- a classe docente não se encontra preparada para lidar com a dimensão dos problemas de indisciplina com que é confrontada;
- os professores que exercem a direção de turma estão incumbidos de encontrar locais de estágio para os alunos, sem beneficiarem de qualquer crédito horário específico, vendo-se muitas vezes na necessidade de se deslocarem a suas próprias expensas;
- a definição do tema dos cursos vocacionais nem sempre obedece a critérios pedagógicos, mas sim a lógicas de gestão de pessoal docente, relacionados, por exemplo, com a existência de professores em risco de horário 0, em número cada vez maior devido às medidas que visam o abate de professores, como sejam o fim do par pedagógico a EVT, os mega-agrupamentos, o fim do desdobramento a Ciências da Natureza, o aumento do número de alunos por turma, entre muitas outras;
- os alunos e as suas famílias são induzidas a escolher esta modalidade de ensino, já interiorizada por muitos agente educativos, de forma perigosa e condenável, como uma forma de “limpar” as turmas do ensino regular de problemas de indisciplina;
- há escolas que viram os seus projectos de cursos vocacionais aprovados sem recebem qualquer apoio financeiro;
- a dicotomia terminológica ensino regular/vocacionais, profissionais,  CEF, etc., denuncia um claro preconceito contra os alunos que escolhem outras vias de ensino;
- a pretensão de que os cursos vocacionais, profissionais ou outros, têm qualquer relação com o ensino dual alemão é uma completa falácia, visto que se trata, nesse país, duma via paralela ao sistema educativo propriamente dito, estando os alunos cerca de 80% do tempo em contexto empresarial, contra os cerca de 14%  no ensino profissional/vocacional/CEF no sistema educativo português;
- as empresas alemãs que participam no ensino dual pagam a maior parte da formação dos estudantes, gastando cerca de 20 000 milhoes de euros anualmente (70% dos custos), sendo uma forma de preparar os futuros trabalhadores dessas empresas;
- Portugal possui uma indústria muito incipiente, contando-se cerca de 7 000 empresas com capacidade para dar resposta ao ensino profissional/vocacional, correspondendo a uma capacidade de resposta a 25 000 alunos, sendo que já existem cerca de 5 000 empresas que se encontram envolvidas;
- o encaminhamento “à força”, precoce, de jovens para o ensino vocacional corresponde a uma violência que ignora a pedagogia do desenvolvimento, o que faz lembrar os tempos do Estado Novo, manifestando um completo menosprezo pelos jovens, visando apenas poupar dinheiro e desresponsabilizar o Estado;
- regista-se uma permuta de alunos desigual entre o setor privado e o público de educação, com os alunos com menor aproveitamento e mais problemas de indisciplina a chegarem ao segundo e os melhores alunos a procurarem o primeiro;

2.2- Contextos políticos que determinam, de forma mais ou menos directa, o actual estado do sistema educativo

Destacando algumas das palavras do professor Santana Castilho, integrando já alguns dos contributos decorrentes do debate:
- o grande problema da educação em Portugal, bem como de toda a sociedade portuguesa, prende-se com a dívida gerada desde há pelo menos 30 anos, a qual não pode ser paga em 5 ou 6 anos;
- sob a política da austeridade a dívida aumentou cerca de  69 000 milhões de euros, conduzindo penas ao empobrecimento do país; 
- relativamente à educação, o compromisso inicial com TROIKA era um corte de 400 ME; em 3 anos já vai em 3 356 ME, o que coloca uma enorme pressão sobre todo o sistema educativo, levando ao surgimento de aberrações como o chamado ensino vocacional;
- paga-se quatro vezes mais em serviço de dívida do que no conjunto da segurança social, saúde, e educação;
- temos em Portugal 40 000 professores que não são aproveitados; na Finlândia 25% dos alunos têm um professor de apoio;
- possuímos as mais altas taxas de abandono escolar da europa;
- 33 000 professores foram retirados do sistema público nos últimos 3 anos;
- o Governo possui uma visão economicista do ensino e pretende reduzir o Estado ao mínimo, privatizar a escola pública substituindo-a por uma lógica de prestação de serviços; a Constituição da República Portuguesa, obriga, contudo, o Estado a disponibilizar uma rede pública de ensino;
- o Guião de Reforma do Estado prevê que fique na esfera do Estado apenas três componentes: defesa, justiça e representação diplomática,
- ainda no âmbito do Guião de Reforma do Estado, as escolas públicas com pouco sucesso deverão ser concessionadas a privados,
- a transferência de docentes para o IEFP é uma forma de financiar o sistema educativo com fundos europeus (em cerca de 70%);
- mesmo em tempos de restrições financeiras é fundamental manter o desiderato de uma Escola Pública de qualidade e para todos;
- a acção dos sindicatos é fundamental para inverter a actual tendência de destruição da escola pública;
- os exames do 4º e 6º ano são completamente inúteis devendo apenas existir exames no 9º e 12º ano; a este propósito foi sugerido que o dinheiro gasto inutilmente nos exames de 4º, 6º e PACC fosse utilizado para pagar professores de apoio, à semelhança do que se passa na Finlândia;
- as novas metas curriculares são inaceitáveis, próprias de quem não sabe o que é uma escola ou do que as crianças e jovens podem aprender; o Professor Santana Castilho recordou que chegou a propor criação de um departamento de desenvolvimento curricular no MEC, que não existe, munido de pessoas competentes, acabando com o experimentalismo inconsequente;
- foi bastante destacado o actual clima de resignação e desistência dos docentes nas escolas, tendo-se recordado as grandes acções de mobilização e combate de que os professores foram capazes no passado, entre grandes manifestações e greves, em particular a greve às avaliações;
- recordou-se que o sistema educativo português é hoje reconhecido internacionalmente pela qualidade dos profissionais que forma, procurados pelos países mais desenvolvidos do mundo, e que, infelizmente, são obrigados a sair do país muitas vezes, devido à escassez de emprego;
- a capacidade de dizer não é fundamental para que os docentes não se vejam esmagados por um caudal de ordens absurdas, ilegítimas, estando consignado na Constituição o direito à desobediência civil quando o Estado viola os princípios básicos pelos quais a mesma se pauta.

Deixamos uma pergunta final:

Não estará o Estado português a violar o direito fundamental das crianças e jovens a uma educação de qualidade, ao empurrá-las precocemente para ofertas educativas tão absurdas como o actual Ensino Vocacional, incapaz de garantir as necessárias condições indispensáveis a um real e profícuo processo de ensino-aprendizagem, nem a aquisição de conhecimentos e competências essenciais, comprometendo assim o seu futuro e o do país, enquanto os docentes se martirizam em infinitas tarefas burocráticas, infrutíferas e completamente inúteis face à enormidade dos desafios?

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