Aqui fica uma tentativa, esperemos que minimamente conseguida, de resumo das principais ideias veiculadas pelos vários intervenientes. Qualquer reclamação, disponham.
Palestra/Debate com Prof. Santana
Castilho
4 de Março de 2015
Auditório da Biblioteca Municipal de Rio Maior
1-
Breve descrição
Principais
momentos da palestra/debate:
- breve caracterização do Ensino Vocacional
pelo moderador do debate, Prof. João Correia, tendo em conta a legislação, a
história recente e um relatório relativo à experiência- piloto decorrida no ano
letivo 2012/13;
- intervenção do Prof. Santana Castilho, versando
os contextos políticos que determinam a actual configuração do sistema educativo
português e, por consequência, também a dos cursos vocacionais;
- intervenção do presidente do SPGL, Prof.
António Avelãs, focando as condições de trabalho dos docentes que leccionam o
ensino vocacional e o stress docente inerente;
- debate.
2-
Assuntos analisados
No que toca ao conteúdo, distinguimos
seguidamente dois níveis de análise:
- factos e argumentos relativos ao
Ensino Vocacional;
- contextos políticos que determinam,
de forma mais ou menos directa, o actual estado do sistema educativo.
2.1-
Factos e argumentos relativos ao Ensino Vocacional
Do relatório realizado em 2013 relativo
à implementação do modelo do ensino vocacional em 13 escolas básicas do país no
ano 2012/13, envolvendo 285 alunos, que inquiriu 106 professores e 209
estudantes, destacou-se:
- mais de metade dos professores auscultados consideram o
modelo do ensino vocacional "pouco" ou "pouquíssimo"
adequado aos alunos a que se destina; os investigadores concluíram que "os
aspectos mais criticamente referidos não têm a ver com a natureza da
formação". Estão relacionados, referem, "com a preparação anterior
dos alunos, os seus níveis de empenhamento" e a indisciplina nas aulas;
- os
docentes consideram que o currículo do curso é pouco adequado (51,9%) ou medianamente
adequado (31,7%) aos interesses dos alunos e apontam a dificuldade de
planificar e condensar três anos de escolaridade em apenas um ou dois;
- os relatores
concluem em sentido positivo que "é
uma alternativa académica sem a qual o abandono precoce da escola poderia ser
inevitável" Sublinham que "79,9% dos alunos dizem não pretender
regressar ao ensino geral do ensino básico ou aos cursos
científico-humanísticos do ensino secundário". Salientam também as
vantagens, reconhecidas pelos professores, da dimensão prática dos cursos para a
preparação para o mundo do trabalho;
- é
nesse contexto que os relatores aconselham que seja garantida a progressão e
continuidade da oferta do vocacional no secundário;
- o MEC frisou
que, no final do ano lectivo de 2012/13 as taxas de conclusão superaram as
"dos restantes alunos do ensino básico e, em especial, os que têm as
mesmas idades". Isso comprova, na perspectiva do MEC, "a adequação
desta oferta às necessidades dos alunos";
– a OCDE
elogiou recentemente a estratégia do governo de utilizar as vias
profissionalizantes no combate ao insucesso escolar. David Justino, presidente
do Conselho Nacional de Educação, realçou recentemente a necessidade de acabar
com a retenção dos alunos, no mesmo sentido;
- ano letivo 2013/14 foi alargado para
9000 estudantes de mais de 500 estabelecimentos
de ensino. Este alargamente foi considerado pelo ministério como a continuação
da experiência piloto, para haver outra base de análise para futuros
melhoramentos;
- Este
ano lectivo 2014/2015, segundo dados do Ministério da Educação e Ciência (MEC),
foram aprovadas no básico 1075 turmas
frequentadas por 22.660 alunos e no secundário 96 com 1910 alunos. No
conjunto estão envolvidos cerca de 25 mil alunos e perto de cinco mil
empresas;
Outros factos, argumentos e conclusões sobre o
Ensino Vocacional elencados durante o debate/palestra:
- a dimensão das turmas (até 26 alunos)
é completamente incomportável, face aos problemas de indisciplina e de aprendizagem
evidenciados por grupos compostos de alunos provindos do 6º, 7º ou 8º ano, que
acumulam os mais diversos tipos de problemas de ordem sócio-económica, familiar
e cognitivos, incluindo muitos alunos com necessidades educativas especiais;
- os professores que leccionam esta
modalidade de ensino encontram-se submetidos a níveis de stress muito elevados,
com consequências para a sua saúde;
- a classe docente não se encontra
preparada para lidar com a dimensão dos problemas de indisciplina com que é
confrontada;
- os professores que exercem a direção
de turma estão incumbidos de encontrar locais de estágio para os alunos, sem
beneficiarem de qualquer crédito horário específico, vendo-se muitas vezes na
necessidade de se deslocarem a suas próprias expensas;
- a definição do tema dos cursos
vocacionais nem sempre obedece a critérios pedagógicos, mas sim a lógicas de
gestão de pessoal docente, relacionados, por exemplo, com a existência de
professores em risco de horário 0, em número cada vez maior devido às medidas
que visam o abate de professores, como sejam o fim do par pedagógico a EVT, os
mega-agrupamentos, o fim do desdobramento a Ciências da Natureza, o aumento do
número de alunos por turma, entre muitas outras;
- os alunos e as suas famílias são
induzidas a escolher esta modalidade de ensino, já interiorizada por muitos
agente educativos, de forma perigosa e condenável, como uma forma de “limpar”
as turmas do ensino regular de problemas de indisciplina;
- há escolas que viram os seus projectos
de cursos vocacionais aprovados sem recebem qualquer apoio financeiro;
- a dicotomia terminológica ensino
regular/vocacionais, profissionais, CEF,
etc., denuncia um claro preconceito contra os alunos que escolhem outras vias
de ensino;
- a pretensão de que os cursos
vocacionais, profissionais ou outros, têm qualquer relação com o ensino dual
alemão é uma completa falácia, visto que se trata, nesse país, duma via paralela
ao sistema educativo propriamente dito, estando os alunos cerca de 80% do tempo
em contexto empresarial, contra os cerca de 14% no ensino profissional/vocacional/CEF no
sistema educativo português;
- as empresas alemãs que participam no
ensino dual pagam a maior parte da formação dos estudantes, gastando cerca de
20 000 milhoes de euros anualmente (70% dos custos), sendo uma forma de
preparar os futuros trabalhadores dessas empresas;
- Portugal possui uma indústria muito
incipiente, contando-se cerca de 7 000 empresas com capacidade para dar
resposta ao ensino profissional/vocacional, correspondendo a uma capacidade de
resposta a 25 000 alunos, sendo que já existem cerca de 5 000 empresas
que se encontram envolvidas;
- o encaminhamento “à força”, precoce,
de jovens para o ensino vocacional corresponde a uma violência que ignora a
pedagogia do desenvolvimento, o que faz lembrar os tempos do Estado Novo, manifestando
um completo menosprezo pelos jovens, visando apenas poupar dinheiro e
desresponsabilizar o Estado;
- regista-se uma permuta de alunos
desigual entre o setor privado e o público de educação, com os alunos com menor
aproveitamento e mais problemas de indisciplina a chegarem ao segundo e os
melhores alunos a procurarem o primeiro;
2.2- Contextos políticos que determinam, de forma mais ou menos directa, o actual
estado do sistema educativo
Destacando algumas das palavras do
professor Santana Castilho, integrando já alguns dos contributos decorrentes do
debate:
- o grande problema da educação em
Portugal, bem como de toda a sociedade portuguesa, prende-se com a dívida
gerada desde há pelo menos 30 anos, a qual não pode ser paga em 5 ou 6 anos;
- sob a política da austeridade a dívida
aumentou cerca de 69 000 milhões de
euros, conduzindo penas ao empobrecimento do país;
- relativamente à educação, o
compromisso inicial com TROIKA era um corte de 400 ME; em 3 anos já vai em
3 356 ME, o que coloca uma enorme pressão sobre todo o sistema educativo, levando
ao surgimento de aberrações como o chamado ensino vocacional;
- paga-se quatro vezes mais em serviço
de dívida do que no conjunto da segurança social, saúde, e educação;
- temos em Portugal 40 000
professores que não são aproveitados; na Finlândia 25% dos alunos têm um
professor de apoio;
- possuímos as mais altas taxas de abandono
escolar da europa;
- 33 000 professores foram retirados
do sistema público nos últimos 3 anos;
- o Governo possui uma visão
economicista do ensino e pretende reduzir o Estado ao mínimo, privatizar a
escola pública substituindo-a por uma lógica de prestação de serviços; a Constituição
da República Portuguesa, obriga, contudo, o Estado a disponibilizar uma rede
pública de ensino;
- o Guião de Reforma do Estado prevê
que fique na esfera do Estado apenas três componentes: defesa, justiça e
representação diplomática,
- ainda no âmbito do Guião de Reforma
do Estado, as escolas públicas com pouco sucesso deverão ser concessionadas a
privados,
- a transferência de docentes para o IEFP
é uma forma de financiar o sistema educativo com fundos europeus (em cerca de 70%);
- mesmo em tempos de restrições
financeiras é fundamental manter o desiderato de uma Escola Pública de
qualidade e para todos;
- a acção dos sindicatos é fundamental
para inverter a actual tendência de destruição da escola pública;
- os exames do 4º e 6º ano são
completamente inúteis devendo apenas existir exames no 9º e 12º ano; a este
propósito foi sugerido que o dinheiro gasto inutilmente nos exames de 4º, 6º e
PACC fosse utilizado para pagar professores de apoio, à semelhança do que se
passa na Finlândia;
- as novas metas curriculares são
inaceitáveis, próprias de quem não sabe o que é uma escola ou do que as
crianças e jovens podem aprender; o Professor Santana Castilho recordou que
chegou a propor criação de um departamento de desenvolvimento curricular no MEC,
que não existe, munido de pessoas competentes, acabando com o experimentalismo
inconsequente;
- foi bastante destacado o actual clima
de resignação e desistência dos docentes nas escolas, tendo-se recordado as
grandes acções de mobilização e combate de que os professores foram capazes no
passado, entre grandes manifestações e greves, em particular a greve às
avaliações;
- recordou-se que o sistema educativo
português é hoje reconhecido internacionalmente pela qualidade dos
profissionais que forma, procurados pelos países mais desenvolvidos do mundo, e
que, infelizmente, são obrigados a sair do país muitas vezes, devido à escassez
de emprego;
- a capacidade de dizer não é
fundamental para que os docentes não se vejam esmagados por um caudal de ordens
absurdas, ilegítimas, estando consignado na Constituição o direito à
desobediência civil quando o Estado viola os princípios básicos pelos quais a
mesma se pauta.
Não estará o Estado português a violar
o direito fundamental das crianças e jovens a uma educação de qualidade, ao empurrá-las
precocemente para ofertas educativas tão absurdas como o actual Ensino Vocacional,
incapaz de garantir as necessárias condições indispensáveis a um real e
profícuo processo de ensino-aprendizagem, nem a aquisição de conhecimentos e
competências essenciais, comprometendo assim o seu futuro e o do país, enquanto
os docentes se martirizam em infinitas tarefas burocráticas, infrutíferas e
completamente inúteis face à enormidade dos desafios?
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