segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

o falhanço da municipalização na Suécia

Mais em: http://observador.pt/especiais/descentralizacao-da-educacao-como-se-fez-la-fora/ 

Suécia – da descentralização à “recentralização” do ensino


Uma sala de aula em Estocolmo
AFP/Getty Images
O processo de descentralização iniciado na Suécia nos anos 90 é talvez um dos mais conhecidos a nível europeu. Antes da década de 90, este país escandinavo tinha um dos sistemas educativos mais uniformizados e centralizados, como descreve um relatório da OCDE, que lembra que tanto os professores como os diretores eram empregados a nível central e cada escola recebia financiamento do Governo central.
Como disse ao Observador Leif Lewin, professor de Ciência Política na Universidade de Uppsala que liderou um relatóriogovernamental para analisar os efeitos da descentralização na performance dos alunos suecos, o sistema educativo anterior aos anos 90 era “impopular” devido à sua “falta de flexibilidade”. “Os professores eram controlados de forma muito rígida em todos os detalhes”.
Em 2011, 20 anos depois do início das reformas, o sistema de educação sueco era um dos mais descentralizados da OCDE: 47,2% das decisões relativamente ao ensino secundário eram tomadas ao nível de escola, 35,3% ao nível municipal. O Governo central ficou apenas responsável por estabelecer os objetivos nacionais de educação e pela avaliação do sistema.
“O controlo municipal das escolas foi um falhanço”
Leif Lewin, professor de Ciência Política na Universidade de Uppsala
A contestação feita pelos professores e o declínio dos resultados escolares e da performance internacional do sistema sueco levaram académicos e políticos a repensar o sistema, que se encontra agora a atravessar um processo de recentralização.

Transferência quase total de competências para os municípios

Em 1991, a responsabilidade pela gestão da educação primária, secundária e de adultos foi transferida para os municípios, que passaram a ter autoridade sobre a escolha de currículos e a contratação do pessoal, incluindo de diretores e professores. Até 1996, os salários dos professores eram negociados com o Governo central, mas a partir dessa data passaram a ser discutidos localmente.
Em 1994 foi introduzido um novo currículo nacional para o ensino secundário, que permitiu aos estudantes uma maior possibilidade de escolha relativamente às disciplinas. No ensino básico e naquilo que em Portugal corresponde ao 2º e 3º ciclo, as escolas passaram a beneficiar de uma maior autonomia relativamente aos métodos e materiais usados e às horas letivas de cada disciplina.

Liberdade de escolha

Uma componente importante das reformas introduzidas na década de 90 está relacionada com a liberdade de escolha na educação. Entre 1991 e 1992, um conjunto de reformas facilitou a criação de escolas independentes com gestão privada, pondo fim ao sistema de matrícula em escolas da área de residência e permitindo aos pais escolherem a escolas que queriam que os filhos frequentassem. O Governo sueco criou o cheque-ensino, o que significou que, quer as escolas públicas, quer as privadas passaram a receber financiamento estatal de acordo com o número de alunos matriculados.

Impacto das reformas na performance e igualdade educativa

No ano 2000, os estudantes suecos apresentaram resultados acima da média dos países sujeitos aos testes PISA, que avaliam o desempenho académico dos alunos de 15 anos em áreas como a matemática, a ciência e a leitura. A partir dessa data, no entanto, a performance da Suécia começou a baixar significativamente. De tal forma que a OCDE escrevia em 2014 que “nenhum outro país participante no PISA viu um declínio tão acentuado da performance dos seus alunos como aquele que aconteceu na Suécia na última década”.
De acordo com o relatório da OCDE já citado, a igualdade na educação na Suécia também se deteriorou. Nos testes PISA de 2000, 2003 e 2006, o impacto do background socioeconómico dos estudantes nos seus desempenhos académicos era abaixo da média. Esta situação mudou significativamente em 2009, altura em que aumentou substancialmente o peso da origem social e económica dos alunos no desempenho em termos de leitura. Esta situação pôs a Suécia acima da média neste indicador.
Ao Observador, Leif Lewin disse que o processo de descentralização da educação na Suécia aumentou a desigualdade na educação, uma vez que as famílias com mais posses “utilizam a possibilidade de escolher a escolha dos filhos em maior grau do que outros grupos”.
“Um sistema educativo moderno que responde perante um Governo central exige uma organização governamental a nível regional ou local com uma certa independência do Governo e das autoridades centrais de educação.”
Relatório governamental sobre o processo de descentralização educativa na Suécia
Na conferência de imprensa em que apresentou os resultados do estudo governamental, o professor de Ciência Política disse aos jornalistas suecos que a reforma do sistema educativo tinha sido “brutal” e criado “desconfiança em vez de confiança”. Leif Lewin apresentou um diagnóstico claro: “o controlo municipal das escolas foi um falhanço”, uma vez que “nem os municípios, nem os diretores de escola, nem os professores estavam à altura da tarefa.” Em consequência, “os resultados académicos desceram, tal como a igualdade e a atitude e motivação dos professores”.
Desde 2008 que os sindicatos dos professores suecos têm reivindicado uma posição mais central do Estado na gestão das escolas. Jan Björklund, que até 2014 foi ministro da Educação, defendeu a renacionalização das escolas. Processo que, como confirmou Leif Lewin ao Observador, está já em curso. “A recentralização do ensino na Suécia já começou.” 
Na investigação conduzida por este professor fica claro não ser possível regressar ao sistema anterior à municipalização. “Um sistema educativo moderno que responde perante um Governo central exige uma organização governamental a nível regional ou local com uma certa independência do Governo e das autoridades centrais de educação. Mas o Governo central não pode abdicar das suas responsabilidades na educação”, lê-se.
No mesmo relatório é dito que um sistema “descentralizado e gerido por objetivos” foi substituído por “um sistema centralizado gerido numa base de performance”, acrescentando-se “ser muito cedo para perceber se estas mudanças vão melhorar” a educação e advertindo-se para o risco de que “a supervisão e o controlo se tornem demasiado rigorosos” e acabem por “sufocar a criatividade dos professores, bem como a sua satisfação no trabalho”. 

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